terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

goldfinger

são pés delgados, eu suponho. embora deus pareça enamorado da assimetria e do escárnio por tudo o que possa trazer contentamento ao homem. mas eu ainda insisto na magreza dos pés. um erotismo despertado antes pelos flamengos que pintaram todo o calvário de cristo que pelos barrocos com um fraco pelos pés gordos dos apóstolos.

feux d'artifice

sabe, eu sou um homem de fé, não tem jeito. ontem, um pouco depois de te escrever quase botei fogo na casa, sem querer: queimava uns papéis antigos, uns jornais já lidos. acho que inconscientemente queria me livrar de mim, me purificando. como a callas-medéia pasoliniana botango fogo em si antes de entrar no templo do tosão. por sorte a ralé me avisou a tempo. e quando eu fui ao balcão do quarto o populacho gritava, como se a sua ignorância tivesse triunfado sobre a minha lucidez obscurecida por um momento "até que enfim"e uma mesa de jardim pegava fogo. e eu vi aquele fogo todo, e fiquei fascinado. no mundo só me interessam duas coisas, aparentadas com a arte: o mar e o fogo.e eu olhava para eles com cara de escárnio "já acabou o espetáculo, essa medéia não se deixou consumir desta vez"e um "that's enough" prás velhas desdentadas que comiam o churrasco que eu aleguei ser o culpado indireto pelo fogo na pilha dos jornais.

a quaresma

Esta trôpega cidade não me é particularmente cara. o são os seus cheiros vulgares, seus sotaques aviltantes à grande língua, seus homens ocos e seu clima paranóico.
Eu nunca tive muita familiaridade com coisa alguma. À excessão de alguns sabores e de outros amigos(sempre uns estranhos) eu não tenho me reconhecido em nada. Essa vida se apresenta como um fardo primordialmente sedutor, mas oscilando invariavelmente do tedioso ao nauseante, muito cansativo tudo, muito cansativo eu mesmo.
Terra exuberante e cheia de odores, sempre essa vulgaridade dos cheiros,cheiros, sotaques e homens, muita humidade e tanta violência. Nenhum erotismo. Uma terra pré-linguagem.
e nessa tarefa eu só tenho a mim, à minha viadagem, ao meu savoir-faire, porque eu o tenho.
mas há ipês roxos em toda a cidade. e aviões para cá e para lá, e gente, e crianças, e pés imundos, e cheiros, vulgares, e sotaques aviltantes, e alguma música boa entre toda a barulheira, e fumaça entre incensos, e um sol inclemente, e uma chuva que não passa. e uma incessante paixão, e um porvir prenhe.
e todo o meu erotismo se resume à essa vontade fálica de existir. e só, e tudo isso
e os tais ipês são na verdade, quaresmeiras.