domingo, 6 de janeiro de 2008

Suave é a noite



teve lugar em São Paulo, nessa sexta, 23 de Fevereiro, uma noite que surpreendeu os convidados com um programa bastante original e milagrosamente executado. a maioria do público era de pessoas convidadas para a abertura de uma conceituada loja de design que a partir de hoje executará peças inspiradas pelo universo musical, algo bem diferente do que vemos em lojas de museu ou óperas mundo afora. depreende-se do evento que muita gente alheia à música erudita ocupou a sala num esforço diplomático. celulares tocavam o tempo todo, da entrada do spalla à zanga do Maestro Neschling, que amedrontou o público com uma cara que prometia cancelamento do espetáculo. ufa, os naipes todos dispostos à la mahler e o sobrinho-neto de schoemberg, munido de uma curiosa batuta encimada por um pom-pom gesticula uma retórica musical nada alemã, tocando tutta forza uma peça do mexicano Silvestre Revueltas. algo dissonante, com um curioso 3º movimento alusivo ao jazz, cheio de improviso e espanto do público pelo exotismo da partitura, o maestro terminou ouvindo tantos "Bravo" quanto lhe cabiam por sempre trazer esses compositores menos conhecidos aos ouvidos paulistanos.
a primeira peça agradando, o público cuidadoso ao cruzar as pernas. telefones nem existiam, apesar de terem gerado o comentário de que a sala deveria usar com relação aos celulares o mesmo rigor que a secretaria penitenciária tem obrigação de aplicar:barrar celulares na porta. não importa se no presídio ou num teatro, passou sob um aparelho X o celular dá um toque de desligar e pronto, corta-se o sinal.
Dezsö Ránki, pianista húngaro, começa o 2º concerto para piano do seu conterrâneo Béla Bartók. mais uma peça nacionalista, perturbada, um convite a lembrar da convulsão que assaltou a Europa à época do assassinato do arquiduque Francisco Jose e suas consequências na Hungria. 2º movimento de chorar, o 3º muito forte, encerrando o desespero com......... barulho, barulho discursivo.
intervalo.
Anya num vestido feito em Minas - parecia Valentino. deslumbrante. mulheres entre homens são como pérolas entre conchinhas pregadas à rocha.
A 4ª do Villa abre a segunda parte. nada mais apaixonado e melancólico que esse primeiro movimento. evocação ao classicismo herdado dos colonizadores. irritação na semana de arte de 22? se hoje alguém gritasse que aquele Villa-lobos regendo de chinelos no Municipal era um compositor sem comprometimento com o nacionalismo...... linchamento talvez. é belo, e ponto. o primeiro movimento da 4ª sinfonia do Villa é lindo, ponto. depois ele vai indo da serra do anchieta ao amazonas de todos nós, a música fica com a nossa cara: o húngaro, o mexicano, o italiano que viria depois, o judeu que regia, os cristãos que ouviam, os cafusos que por uma atrofia na nossa história nem costumam entrar num lugar desses, os nigerianos que vivem nas imediações da luz, os moleques que cheiram cola para suportar a fome, lá na frente, na cara da gente; tudo, todos nós estamos em villa. da favela no rio, passando pelos pampas, indo até o sotaque lindo do recife. villa redime o brasil.
respighi. fascista? sei não, mas eu compreendo que mussolini adorava aquela música como qualquer um de nós. um monte de instrumentos. Wagner-Strauss-Mahler, tudo enorme, tudo tão monumental, mas tão pouco alemão. era a orquestra deles, mas o entardecer era nosso, latino, o por do sol filtrado pelos "Pini di Roma". instrumentos sugerindo o cantar dos pássaros. algo de encanto infantil faz o coração de todo mundo palpitar. leopold mozart, cuco, cuco. e depois aqueles seis, isso, seis clarinetes lá no balcão mezzanino, oposto da sala, no alto, encantando todo mundo, sugerindo menos fanfarra militar que uma orgia dionisíaca numa tarde romana perdida na história.
anya descendo as escadas do estacionamento, arrastando a calda do valentino mineiro. vênus, sim, era vênus. hoje, dia 23 de Fevereiro de 2006 Baco e Afrodite encontraram-se no sopé do Olimpo, bêbados, banhados pelo sol negro e pela alegria do porvir.

Um comentário:

Unknown disse...

Marcelo, só você mesmo. Lindo, lindo, lindo e inesquecivel.